119.
MEU AMOR
tua loura magreza não me toca
que afagarei teus pelos
com o beijo primordial
Seguro a mão que tu seguras
daquele que me encontro fonte
fantasma lavado e céu.
Ó meu amor que se mistura
à carnadura do estro
às cores coxas do sensível
Ó meu portátil amor
que se oferece
na aparente umidescência
da paragem suburbana.
120.
NÃO TENDO CHEGADO AS FLORES
De primavera, gozo o prazer
de dar-te a prévia rosa
queiramos ou não que desabroche
na mão da tua lâmina terna
e sem dizer o que devemos
ponho os olhos nos limites da estrada.
Quem assim te afague, ó meu amor
que ainda te amo como agora
folha da tua árvore querendo
ver-te como estrela
o mais de sobretodas as senhoras
olham de perto o incerto par.
Sejamos lógicos com estas grinaldas
de primavera que inventei sem peso
me apaixonei sem me aproximar.
sábado, 11 de abril de 2009
VIOLA D' AMORE (1990)
AS BRUTALIDADES DA CALMA
74.
AQUELA QUE TANTO AMEI
canta
magra esperança
Junto errantes
primos mortos
75.
ELA CANTA E NEM AO MENOS SEI
diluído no toar de verso
que posso passar
de coisas
que não tenho
76.
ELA VIU O OLHAR VAZIO
dos nossos olhos derivaram
se acrescentando
na estação idiota
77.
ELA OUVIU PALAVRAS
MEGAFÔNICAS
o trem em movimento
rolar imundo
rumo ao
lugar do inferno
78.
ESTRADA. Estrada
estrada
estrada
estrada
estrada
sorrir
79.
QUANDO O ANJO APARECEU
no dia 20 de novembro
de 1977
o mundo ficou mais claro
estável
com possibilidades e com paisagem
nítidas
ricas
80.
A FELICIDADE SE TORNOU
POSSÍVEL
com a ternura do ser
quando vi
de maneira próxima
ao lado
E quando tomamos uma xícara
de café
juntos
ternamente
eternamente
24.11.1977
81.
E QUER O POEMA
lema, lenitivo
de tombos
terno amor
ao largo, ao parto, porto
de sobre vivências
e mal
e cal
82.
E QUER
o poema, lema
sopro vindo das coisas
fortes
mortes, cortes
faces quebradas calhas
malhas
e salas
tudo o que sobra
e vive
o ter
e o ser
83.
QUER O POEMA
pena, sempre
que nada o trai, o poema
E ouvir os pares
lares
pardos
84.
E QUER O POEMA
flecha
o que repete
e sente
ouve pois no fim
por mim
85.
SER É PAGAR
para amor
Ser é aval
aliado
Pelo ser
amar amado
86.
SER
é pagar
Pagar
para amor
e ser
amado
87.
PARA SER
e pagar
é valer
o amado
88.
SER É PAGAR. E pagar
para amar
sem ser (é pagar)
amado
89.
SER É PAGAR. E pagar
apagado
sem troco, recido
sem ser
(é pagar)
90.
NOS ARCOS MARCOS TURVOS
enoitecidos tombam
e impostam
fluidos e vívidos
tons de luar
91.
TONS DE LUAR QUE ABREM
NÍTIDOS
o grande olho
onde semeiam argentidades
92.
A ESCURA DOCE TREVA
feitas fascínio
lavadas vozes
93.
ESSES FANTASMAS
do fluido luar que amo
na porta morta com que fecho os olhos
94.
REUNIDOS
estes versos formam um estra-
nho tema
Fixos
eles me olham
toucador
95.
DO CARINHO QUE ADIVINHO
só precisava um minuto
Pouco tempo que fosse
no teu corpo magro
de ar desolado
96.
TERNOS OLHOS TE IMAGINO
opaca sensação
de seres imediatamente amados
(sim, opaca sensação
do sorrir, beatamente
de minuto pleno)
97.
NÃO ME CONCEDAS MAIS
que o minuto verdadeiro
quero o passar nervoso
o terno primeiro
98.
QUERO O PASSAR NERVOSO
desse onde pouco é tudo
um pouco do que
de sal, que sais
do sujo mar de Copacabana
99.
UM POUCO DE HÁLITO E ABRAÇO
e lembrar-te depois
de que tudo restava
de tudo bastava
no tempo curto dos favores
travos
100.
MAS SE EU ME CASASSE CONTIGO
decerto me cansaria
e a fadiga
causar o mal que não me dás
101.
POR ISSO UM MINUTO APENAS
para o carinho leviano
teus apressados olhos estudantes
batendo instantes em que te
vejo rápido
102.
AS DOBRAS DO VESTIDO SE
ENGOLFARAM
e ouço passar águas profundas
passam passos
A voz procura, acionando em
torno grandes flores de vento
Assim não se sentirá o não
que se aproxima
103.
NÃO SE VÊ MAIS QUE O RISCO DO
HORIZONTE
(desconcentradas ilhas)
O verso sai do mar com dedos
molhados de rimas
104.
POSSO DIZER MEUS MEDOS
falar por estas linhas
e cantar um antes
das revelações e do fim
105.
EM TUDO PESAM ÂNCORAS
mostruários de ossos
Calam-se seres e ares~
e esperam quietos
as aproximações
106.
MEU MEDO NÃO É DA NOITE
mas da chegada
das invenções
Tua chegada me atinge todo
107.
TUA PRESENÇA ME ATINGE TUDO
no teu silêncio mergulho
como se houvesse
um ponto aberto
sem dó
no peito
108.
MEU DESERTO É LÍQUIDO SILÍCIO
e dói não dar o primeiro passo
Perco-me em ti
e não direi mais nada
engulo e escrevo
espero
109.
ORIUNDA ONDA
onde queres
me levar?
110.
NAS ÁRVORES
antigas cantigas
de antigas ruas
Esverdeadas liberdades
abertas aspirações
madames deslumbradas
nascidas sentimentalmente
para o ver
111.
FEDERICO GARCIA
o som de uma luz trazida
e aziaga
te cortava como lâminas
de três gritantes guitarras
E, andaluz valente
passavas poesia no tempo
Federico Garcia
guardas civiles de touros
e de praças
não te cobriam de pedras
Por entre as rimas filtraram
vozes irmãs das estrelas
que trocariam contigo
essa barca sob o sol
112.
QUE AMAMOS
nas pessoas passadas
que amamos?
Páginas do livro
envelhecidas passam
o ria ruma do tempo
o declínio do ser
Visitantes do passado
vejo a morte e sua serenidade
despedidas
estrangeiros
nos separa o espaço
(Como não podermos estar
todos resumidos
num pátio de paraíso!)
113.
PROCURO A FALA ADEQUADA
e o dizer fácil
rara rima
como toque
de carimbo
Talvez não veja a originária poesia
na lucidez vazia
saída da velha lei
Quero o verso, quero o verso
que diga um pouco do mundo
a pular para outros tons
menores, porém profundos
114.
COBREM-ME COMPLETAS DÚVIDAS
do que escrevo
Poesia?
Sonho apenas que falo
115.
MEU AMOR EXPÔS A TOALHA À
MESA
e sentamos para nossas
torradas manteiga e chá
No ar a voz de um hino
As xícaras repousam
nas imaginações mais leves
como a beleza do que falamos
(7/11/84)
116.
IREMOS À GUERRA
corremos a praça
Reunidos cantos
à guerra entoemos
Ali reluzimos
seres brilhantes
amos
Não discutamos
nos encontraremos
117.
A PAISAGEM ALARGA
de cada lado
da estrada
No fim encontramos
o esplêndido mundo
destruído
Na esfera luminosa da manhã
vesperal da paisagem
para sempre da tarde
118.
A CANÇÃO ERA FÁCIL
e plácida
matinês burguesas da menina
pássaro pousado ao lado
olhar na tarde
Lenços adejam breves
pelos degraus da escada prima
e no risco do rio a estrada calma
desliza sobre seu silêncio
VOX AMOROSA
64.
O QUE ME ENCANTA É O BRINCO
de tuas conchas
a precisão de teus pelos
aneladas voltas
composto corpo
no salto alto do teclado claro
65.
QUE A VIDA SEJA SIMPLES
como fímbria do horizonte
sobre teus cabelos despenteados
66.
A TUA NUDEZ TEM CURVAS
SUAVES
teus pelos, loura primavera
Não te conheço teu instante simples
mas vejo-te passar pela caçada
Te olho indiscreto e talvez
até me vejas o olhar
Não ouso assustar teus passos
que existe tal como te criei
Amo-te mais que te imagino
pois a felicidade é forma genuína
do que sou
Rei
67.
(ENCONTRADO DEBAIXO DA
PORTA)
Rogel passei por aqui
e volto para jantar
Amor
68.
UM POUCO MAIS DE TI E EU SOU
CERTEZA
de que temos o agasalho desses
cais e de que posso ainda conhecer-te
Um pouco mais de ti e eu vou
perder-te pelas estradas vias do acaso
E conhecendo meus pequenos
medos sairmos juntos para o mesmo ar
69.
VOLTE CEDO
coração
você é alegre
eu não
70.
E ASSIM ACABAMOS
(talvez sorriam indícios
e as alegrias se sintam reparadas)
Talvez pensares no passado
Saibas que sinto
isso possa ter
71.
NÃO, NÃO PENSO EM TI
eu era fraco para teu amor
Nem me amavas como certo
eu te possuía
(aqui também te conheci
como quem conhece uma praça)
Que importa se não outrora
eu te amei?
Quase que te agora
interessantemente
72.
NÃO ME APROXIMEI DE TI
não pousarei jamais
em quem não adianta
em quem não vê o óbvio momento
Nem mesmo tenho a quem mandar os
versos (pelo que espero
o sorrir da imagem)
73.
O GRANDE AMOR NÃO NOS
CONDUZ À VIDA
E você, meia terceira pessoa
pois nos deixou grandes imagens mortas
que nem nos lembra de as recordar nos
dias em que fingimos não nos fingir e ver
BOLERO
48.
NÃO ME QUEIRAS
que careço
demais para isso
Te quero
bolero
49.
NAS FORMAS VERDES DAS
DOLÊNCIAS CALMAS
o pólem das árvores é a fina es-
sência e espíritos de emoções diversas
correm
50.
VOZES QUE OUVI DO PASSADO
falando-me ternamente
contai-me um pouco das coisas
de que estou afastado
Sem passado no perdido
apátrida sem sentido
sem que do breve e do bento
momentâneo acontecer do enredo
haja a terna paz que passa
sempre
ao lado
50.
A NOITE POUSA SOBRE OS OLHOS
do lago estático e circular
há uma fácil quebra de cuidado
no displicente repousar
As aves dormem como nuvens
nas calmas voltas do ar
e no silêncio soa a seda
e a medalha do luar
Nas nossas noites passadas
como vendas da infância
há sortilégios secretos
perfil de veladas asas
Lastimação do tido
lastimação
lastimação do tido
51.
NO CAMINHO ATRÁS
do caminho que pequei
ficava o mundo e seu pedaço
a praça, nosso começo
o mundo, o teu regresso
no caminho atrás
do caminho que pequei
Expectador fiel a mim mesmo
52.
SOMBRAS QUE PASSAIS DOS
LADOS
de cada memória apagada
dizei-me tudo que espera
a minha verdade negada
53.
EU TINHA UMA VITROLA DE
CORDA
e uns discos de bolero
Na minha casa havia um álbum
de litogravura
à noite minha mãe bordava
as toalhas do dia
meu pai lia
havia um canto suave
no céu apareciam estrelas
54.
NÃO GOSTO DE COISAS FUGIGIAS
que me escapam antes de as ter
Amo os remansosos laços
que assistem, calmos, nos passos
e voltam ao lar, feito pássaros
fáceis
no ar do espaço aberto entre montanhas
plácidas
E pensamentos lógicos
sem rápidas inquietações
pouso anguloso da estrada
onde nos abrigamos para uma única
noite de eterno
55.
OUÇO OS INSTANTES DE
FELICIDADE
como festas de passadas casas
e sou até feliz na distância
Meus sentimentos
na corespondência
tranquilidade atroz
resignadamente ausente
perdida sossegadamente
56.
A JOVEM LUA SE RENOVA E
APARECE
pousa no mar prateada garça
Treme às carícias arrepios
do gato do som
redondo e noturno bem de dentro
que sai de dentro do batente fundo
e que se alastra e se alarga
e encanta tudo
57.
É POSSÍVEL QU EU NUNCA TE
ENCONTRE
mas conto contigo em todos os
dias
Te sinto impalpável beleza
e talvez até fosse feliz
Só sei que parece que existes
para além de outro lugar afastado
58.
NÃO, NãO QUERO MAIS
não acredito
nada me ilude nem me espera
no pomar dos credos
nem as sempiternas
serenidades
Possível é que vivam sempre
inimigos habitantes das paredes
por que passo as noites inquietas
Não, não temo
cantar podemos nos lugares frios
mas o ensino das carências dizem
que sempre haverá o rígido segedo
Não, não tive pena
quando morreram os dias de serenidade
também aconteceram neles
o rouco travo de seus nunca-mais
Não, não temo
medo só para quem ama e vence
das luzes, dos carnavais
Não, não tive medo
59.
QUE É VIVER?
permanecer
ou passar?
60.
NÃR ACREDITAR EM TI
tudo destruído
no caminho percorrido
meus sentimentos
Não trates o mel
com o mal
nem andes lento
sobre meus sofrimentos
Não me peças a paz
que o amo negou
a reflexão do feito
esconso medo
morno sentido
a morte chegou
demanhazinha
como um carinho
de tuas mãos
Aquilo que sempre amei
nem posso dizer
que possa haver
61.
- SEUS DOCUMENTOS!
- Suas armas!
- Sua vida!
ALVA, A LUA IMAGINÀRIA SE
DESCOBRE
em névoas se levanta o espaço
aberto movimento
dormir e sonhar, alado amor
Não revela a pálida aparência
sutis e dormentes primaveras
nem sonhos das danças primordiais
A lua se pincela da janela
nas folhagens belas
e a pose branca pende
dos umbrais da noite
Orvalhadas pontes
brancas primaveras
Todo o passado
Tudo passado
63.
À ESPERA
a solidão boda seu lenço
Aquela que tanto amei
não haverá nunca
e me alegra todos os dias
Inútil passar das mágoas
da vã tristeza sempre resta
o mesmo lar incomeçado
Reencontro o primeiro passo
nas dobras do que não sou
Que lenta
venha a vontade de cantar
O EXERCÍCIO DO OFÍCIO
6.
PRIMEIRO. De folhas
se compara a rosa
incolor da tua nudez
Depressa alcançarei
a missão textura antiga
7.
SEGUNDO. Neste aqui posto
Secundário ou perto
não me abraçarás
jamais
8.
TERCEIRO. Muito
de mel e com trigo
posto
e dado
e o sorriso, ambiquerido
9.
GERALMENTE
me tens ao céu posto
aíndo sobre a nave
do teu seio
10.
SECO. Não. Ninguém
ou/e nada
me calará
por sobre o muro das
lamentáveis consideração
11.
TRIO. Sou nada
sonata de secreto
tilintar
Cala-me a calma em
conforme sou
rima
12.
4 termo n
que queres?
Não pararás junto
à melhor fonte solitária
13.
UM. Unicamente
delido e sósou
neste meu quarto
passo
14.
DOIS. É preciso
dizer
e fazer
calmamente pensar
e dar-me
15.
TRÊS. Há tempo
querida
que eu quero escolher-te
entre os compatíveis
depois
16.
NAUS. Não velejarás
por viajar
não velejarás
entre as paredes más
17.
PÓ. De tal
viverás
e renascerás
fênix
18.
CAIXA. Não na abertura
porém no vácuo
entegarás o cimentado
serviço de freiras
19.
CALMAMENTE. Sentes
que é peciso assumir
o que sentes
20.
Não. Não escreverás um
só texto
mas o que for dito
e luminoso
como um salto de sapato
sapo
21.
SEGUNDO. O que
de que
ao qual pertences
te engole
22.
TERCEIRO. Do ser
precisavas no
que estavas fazendo
Perto de ti nada
podes fazer
23.
QUARTO. Mastigação
poroso
precipício pavor
pítico lavado
Sinto
paro
24.
QUINTO. Deixa de
lastimação
que amanhã
não acordaras
25.
SEXTO. Por perto
ronda o céu
aberto
que é necessidade ao
heróico fugir
26.
SÉTIMO. Nunca mais
pomos os olhos no
que tua pena
aceleraste
27.
OITAVO. Pinta o que
escrevo
e a palavra
pinta. Não a palavra
isto de aparição
28.
NONO. É preciso negar
que o real
desvelará. Quando
não me amares
perdoarás sem repouso
29.
DÉCIMO. Esta página
tomada
como está
é perto
do que estou a pedir
30.
ONZE. Casamos
nossa paz
com tua dor
31.
DOZE. Mais e mais
o que há são portas
para o pouco
das palavas
32.
FIM. O que
não chegou
faltará depois
33.
POST-SCRIPTUM. Nau viajemos
irmão
nossas profundas
comemorações. Na
partitura do ver
não experimentemos
34.
NESSA FONTE
solitária
paremos nossas
meditações
35.
SUAS CLARAS
fáceis águas
ouçamos
Com benesses d' água
36.
NESSA NOITE
dessa fonte
desse lado
nesse sentido
passa o perdido
37.
SUAS ÁGUAS
frias idas
escorridas
suas águas
magoadas
38.
MÍSTICO LIRISMO
te chamo
místico lirismo
vejo-te assim
39.
SOBES
a cada grande
complemento
40.
- (EM) ILHA.
somos
sobes a lareira
sobes Santa Teresa
sobes
estação devemos
que importa o poético?
41.
POIESIS. Prática de
desnivelamento
de amor
42.
POIESIS. Em que
o da forma
se em breve
calará
43.
EU TE PASSO
e passo
livremente
de cantar
44.
EU TE AMO
naquilo
em que o teu
é a linha
e o ponto
45.
EU TE FABRICO
e não
eu te desvelo
cantares
mel e dia
do ar
46.
TE LEVARÀS
nas minhas
lacrimações
florais
47.
COM A TUA
vox
lamento a perda
da fonte mágica de
Ós
POEMATA
1.
ESTES VERSOS,
entendam todos que proclamo
o despertar das
da calma
de aves
Que digam os que os lerem
que é suave o som
sussurro de brisa
Que diga o leitor
- Que faço eu?
Qual quem assim pergunta
ao ser feliz?
2.
QUE ESTES VERSOS SEJAM POUCO
LIDOS
por pouca porção de seres
Leitor eleito
3.
NÃO DE POESIA-LIVRARIA
se farão estes versos
mas do perdido
do não
de cada
nada
Vadiemos pois
nestas
4.
MINHAS PENAS
meus poemas
Escrever tão pouco
que o verso
não perturbe o silêncio
Eu só quero escrever
quando as dores me assaltarem
que é quando as folhas das
colhem palavras do não
5.
CHEGA DE POESIA EXPERIÊNCIA
quero
a poesia neolírica
intimista
simples
Repetir velhos temas
do coração
que não
morreu
FOI ONTEM QUE TUDO ACONTECEU
Rogel Samuel (Manaus, 1943) não é um novo poeta: Desde os anos 60 escreve e publica -já em 1965 era incluído na antologia de Anísio Melo, Lira Amazônica, publicada em São Paulo; e aparece também na Grande Enciclopédia da Amazônia (Belém, 1968) de Carlos Rocque. Publicou muitos poemas em revistas e jornais, ainda que a grande parte de sua obra permaneça inédita (cerca de 200 poemas). E é como poeta que hoje aparece na Enciclopédia da Literatura Brasileira (Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, MEC). Por isso é que, quando finalmente ele publica os seus Poemas (Rio de Janeiro, 1990, 120 poemas, edição limitada a poucos exemplares, encadernados) insistimos em comentar a sua poesia.
Os Poemas de Rogel Samuel estariam inseridos numa nova proposta literária? Seriam características de uma fase de transição na literatura, ou estariam inaugurando (talvez, com outros poetas das duas últimas décadas) uma mudança na História da Arte da Poesia? Poesia lírica ou poesia épica? Poesia épico-lírica?
O certo é que seus versos são incomuns, e o incomum não é privilégio de todos. Por ser incomum, ainda não há como caracterizar sua obra poética. Que é uma narrativa (ou várias) não há dúvida. Narrativa fragmentada, como fragmentado é o homem do século XX. Narrativa-ruptura contra o instituído, o tradicional, inclusive, contra as antigas rupturas da forma poética. O sujeito poético trabalha-batalha com o não-dito e é uma operação de vida e de morte. Ele vive e morre e renasce a cada verso, porque, ao nascer, uma fénix pronunciou seu nome e apresentou-lhe o tesouro do "vazio criador". Um não ao preenchimento instituído. O preenchimento instituído não faz parte de seu fazer literário. Seus versos navegam águas profundas: " Não velejarás/ por viajar/ não velejarás/ entre as paredes más". Não às formas instituídas e sem vida. Sim ao direito de dizer não. Ao direito de escrever só para leitores eleitos; sim ao direito de "escrever tão pouco/ que o verso/ não perturbe o silêncio". Sim ao direito de escrever só "quando as dores (o) assaltarem/ que é quando as folhas das (?)/ colhem palavras do não".
Eis aqui o sujeito que não aceita escrever por escrever:
Não. Não escreverás um
só texto
mas o que for dito
e luminoso.
Sujeito fragmentado, porque não se adapta às leis da continuidade estabelecida. Sujeito fragmentado, porque quase toas as suas faces/fases não pertencem à realidade: sujeito extra-realidade.
O sujeito poético retorna no tempo, porque quer desvendar as formas conceituais que propiciam culpa e castigo; retorna no tempo, porque há fragmentos de seu ser ainda presos à realidade, e ele quer libertar-se, assumir o não-constituído.
O sujeito poético é narrativo e lírico, mas não é ficcional. Sua narrativa é verdadeia são suas verdades mais íntimas reveladas aos arrancos: verdades fragmentadas. O sujeito é lírico, mas seus versos não são líricos, são verdades. Sãp épicos. Nova epopéia. Epopéia de 80. Epopéia lírica, poruqe o sujeito é lírico. Os poemas não. Aqui, ao contrário, há a objectividade, porque a realidade dos poemas faz parte da história pessoal do sujeito poético: é realidade pura. O sujeito quer enunciar/anunciar algo que fez/faz parte de sua história pessoal. Narratica épica, épica não-tradicional, porque é a verdade do sujeito, suas experiências de vida como ser que se obriga a ter uma existência concreta. O lado concreto do sujeito poético. A vida é curta, "Vadiemos, pois".
Não há deuses. Criemo-los, pois. Criemos o mítico, no subjectivoda História. Se não há mais como passar além do eu, coloquemos um eu sublimado no centro da História, um eu experiente pluralizado. Não há lugar no mundo para o individualismo, naveguemos, pois todos unidos, Artistas e leitores privilegiados.Não há lugares para super-heróis, sejamos, pois todos, heróis de uma epopéia de seres marcados por vivências desencontradas. Seres, habitantes de um Mundo fragmentado. Não há o tempo épico tradicional, não há demarcações explícitas, porque o tempo não se faz distante. Foi ontem que tudo aconteceu. Foi ontem, mas se encontra distante, temporalmente, dentro do mundo literário do sujeito poético. Se se encontra distante literariamente, nada mais justo do que uma apresentação dos fatos históricos/subjectivos que marcaram a realidade do sujeito. Apresentação: essência do épico, segundo Staiger. Apresentação fragmentada, descontínua, trechos de uma história pessoal, relato que unifica, que se faz ouvir apenas no âmbito do poético. Não há tempo definido, a não ser por datas que pouco esclarecem. Não há espaço, porque o espaço é uno. Não há antes. Não há depois. Há dores. Há sofrimentos. Há angústias. Há o sentimentodo irrealizável. Fragmentos de um cotidiano rico e absoluto para o Poeta. O Absoluto não se encontra mais aquém e além da realidade. O sujeito poético encontrou seu Absoluto no literário é verdadeiro em-si, completo.
E é substancial enquanto expessão da alma.
Se a narrativa é fragmentada, a verdade é inteira. Não há mentiras. Só não vê quem não quer. Os leitores eleitos vêem.
O sujeito é um ser extra-realidade, que assume suas experiências de vida, experiências comunitárias. O sujeito mitificou-se, para produzir o épico. Não há mitos clássicos numa realidade fragmentada. O herói é o sujeito poético, único herói, despersonalizado, porque somatório. Soma de desvalidos existenciais, buscando uma História que os componha, buscando sobreviver no Caos, heroicamente.
"Deixa de / lastimação/ que amanhã/ não acordarás"/, heroi. "Por perto/ ronda o céu/ aberto/ que é necessário ao/ heróico fugir".
Fuga do herói. Busca de céu aberto, com todos os eleitos, se por ventura (ainda) existirem. Busca e, com ele, todas as experiências literárias que se encontram na História.
NEUZA MACHADO
(Doutora em Teoria Literária (UFRJ), Professora Universitária, autora de "O narrador toma a vez": sobre "A hora e a vez de Augusto Matraga" de Guimarães Rosa).